domingo, 5 de julho de 2015

The Babadook

A obra expressionista disfarçada de terror cult


    A muito tempo fiquei de ver esse filme mas sempre adiava, principalmente pela opinião da maioria que viu, que se mostrava avessa, e quando finalmente decidi ver (hoje) comecei o fazendo com olhos desconfiados e uma pré-ideia ruim do filme, abordando como apenas "mais um filme de terror", isso mudou antes da metade do filme quando fui bombardeado por referências, o uso dos ângulos da câmera, a fotografia, o tom surreal, aquilo era familiar demais pra ser só coincidência, e então me toquei que estava no meio de uma obra expressionista. Eu estudei o tema no ensino médio pra um trabalho e acabei ficando fascinado, vi alguns filmes e curtas, além de fotografias e pinturas. E alguns/muitos anos depois estava ali frente a essa corrente modernista outra vez, de forma sutil, mas estava.
    Bom pra explicar o porque o filme pode se enquadrar dentro dessa escola preciso explicar primeiro do que ela se trata. Do site A Janela Encantada: 
"Soluções estéticas tão radicais podem ser tão eficazes numa narrativa, no expressar de sentimentos e na criação de ambientes. O expressionismo era uma corrente que procurava criar efeito emocional a partir da distorção da realidade, centrando-se mais na expressão de sentimentos que no detalhe e realismo físico, o cinema expressionista alemão veio a caracterizar-se por essa distorção visual, patente em cenários estilizados com perspectivas irreais, um uso exagerado da luz e sombra de modo a definir os ambientes sem recorrer a cenários elaborados, e personagens estereotipados, apresentando uma interpretação exagerada. As histórias são geralmente fantasiosas (desde lendas, alegorias mágico-religiosas, até à ficção científica), plenas de um romantismo trágico tipicamente alemão, dando-nos heróis muitas das vezes a braços com paixões e vontades difíceis de nomear, atormentados por estranhos fantasmas e medos. A atmosfera torna-se por isso irreal, mesmo onírica em muitos casos, o que tanto nos é sugerido tanto pelo tema como pela própria cenografia."
    [SPOILER] Pra quem viu o filme já viu aqui muitas semelhanças, e é possível exemplificar isso em algumas cenas:
-A mãe levitando sobre a cama;
-Todos de preto em um festa infantil, passando aqui sentimentos através de imagens e não diálogos;
-O mesmo acontece na própria cena do aniversário em que Amélia é a única sentada, sendo filmada de cima pra baixo, passando ao público seu cansaço e desolação;
-Uma das referências mais explícitas é a própria Amélia vendo TV, em que todos os programas vistos por ela, em preto e branco, são da vanguarda expressionista;
-Além disso, os mesmo apresentam em geral a personificação da angustia e medo dela como monstros e personagens caricatos como o lobo em pele de cordeiro;
-O babadook sendo representado como uma sombra, sendo que uma das características mais marcantes do expressionismo alemão, como dito no texto, é o jogo de luz e sombra;
Entre muitos outros exemplos (praticamente o filme todo)

  Mas além disso é importante entender a obra enquanto enredo, mesmo eu não considerando o filme como terror, os roteiristas usaram do tema pra desenvolver a história, de forma muito eficaz inclusive já que o filme deixa um ar de tensão e mistério contínuos.
O que acontece é a metaforização da depressão da mãe, ela é personificada através do vilão. Amélia diz ser escritora infantil, um livro como aquele na estante não seria algo a se surpreender não é? A própria descarregou suas angústias no personagem, trancafiando sua condição naquele livro até que Samuel o acha..... Amélia matando o filho seria uma clara alusão a uma depressão pós parto surgida graças ao acidente que matou seu marido, todo o seu discurso "quantas vezes eu pensei como preferia que você (Samuel) tivesse morrido no lugar dele" é na verdade esse lado reprimido e escondido por ela enquanto fingia estar bem, e que aflorou quando o Babadook (depressão) tomou conta da própria, frase que demonstra isso “Quanto mais negar, mais forte eu fico. Você começa a mudar quando eu entro. O Babadook cresce sobre sua pele.” . O garoto vê e acredita no monstro pois ele também vive a condição da mãe, ele é atingido por suas crises, frases como "eu vou te proteger", "eu não deixarei ele entrar" exemplificam como o garoto luta pra tirar a mãe daquele situação. Tudo é centrado em como o transtorno evolui, sendo retratado no filme por imagens, as baratas, coisas apodrecendo, a própria imagem, a cada cena, mais debilitada de Amélia, a casa que parece sempre mais escura enquanto as cenas a luz do dia vão diminuindo, os sentimentos assim também são retratados, principalmente pela trilha sonora sutil mas eficaz, capaz de envolver o pública na atmosfera mais sombria, além dos gritos que são cada vez mais frequentes, tudo indicando o desespero de uma crise da qual Amélia afundou e não consegue mais atingir a superfície, o livro trouxe tudo a tona. Aliás, outro ponto interessante do filme, quando ela vai a delegacia, porque as mãos dela estão sujas? Ela queimou o livro com gasolina e na churrasqueira não é mesmo? E porque ela tenta escondê-las do policial?
No final o Babadook aparece como o seu falecido marido, mostrando que este é um dos demônios que ela precisa exorcizar para conseguir seguir em frente. Ela enfrenta o monstro por seu filho, mostrando que quer ficar, que forte o suficiente para não ter medo de seus próprios fantasmas. Nesse ponto o problema é "resolvido", agora Amélia e Samuel parecem felizes, mas ela continua a alimentar seus monstros mostrando que não está completamente curada, mas que foi um passo nessa direção. E de novo tendo uma citação muito clara de que o Babadook era a depressão, o medo, e tudo que ela alimentava desde a morte do marido, ele volta e fica trancafiado no porão, que é exatamente onde as coisas do Oskar estão guardadas....
Sem sombra de dúvidas, The Babadook é uma pequena obra do cinema mas que precisa ser vista com os olhos certos para ser completamente apreciada. Por fim fiquem com essa imagem que poderia muito bem ser um quadro exposto na semana de arte moderna de 1922.


Olha que coisa linda gente <3