sábado, 26 de março de 2016

Despedida

Me dobro enquanto você quebra
brincando nesse cabo de guerra,
cansado desse amor agressivo.
Tenho minhas razões,
tens seus motivos

Somos todos iguais,
insistindo em apontar o dedo
tirando das costas o fardo
pelo fim do nosso enredo.
Somos uma causa perdida,
não é nenhum segredo

Andamos nessa montanha-russa
condenada a desmoronar.
Nos perdendo para nos encontrar,
nos encontrando para nos afastar
nessa estrada que construímos.

Não há ouro no fim do arco-íris,
então por aqui nos despedimos

domingo, 20 de setembro de 2015

Rosa e azul

Segredos devorando até minhas entranhas
Confiando em todas as mentiras, eu respiro
Ignorando minhas vontades estranhas, eu vivo

Estou ficando exausto de me enganar
Mais cansado ainda de fingir
Tão longe de onde preciso estar
Alimentando-me com mentiras outra vez

Sou confuso demais
Sou norte e sul
Gosto de rosa e azul
Tem alguém estranho assim?

Não estou quebrado, não preciso ser consertado
Não estou perdido, não preciso ser achado
Eu não quero mais jogar

E é assim que eu me sinto agora, então me deixe ser
Tudo dentro de mim, sobre mim
Eu quero segurar, conhecer e provar
Descobrindo o que eu sempre soube
Minha própria forma de amar

domingo, 30 de agosto de 2015

Vozes

“Desde criança eu ouço vozes, já me habituei a elas cochichando no meu ouvido, e pelas pessoas não aceitarem isso muito bem acabei, com o tempo, guardando elas apenas para mim. Por mais que me considerassem louco, durante minha adolescência sempre tive as vozes como um dom, algo que recebi por ser especial, um escolhido, e por esse motivo sempre fui um pouco recluso, diria até excluído do restante da escola, não me importava, passava tardes inteiras conversando com o nada. Adorava ouvir as histórias que eles me contavam, como sabiam tudo sobre o mundo.
Bom, fui levando minha vida, me mudei para cidade grande, tinha um bom emprego, esposa e filhos e os sussurros já não eram mais tão frequentes, na verdade apareciam cada vez com mais raridade, tudo isso mudou completamente naquela tarde chuvosa de domingo. Entrei no carro com a família rumo a uma confraternização dos amigos de faculdade, fazíamos isso todo mês, mas nas outras vezes não chovia tão forte, nas outras vezes eu não estava tão bêbado às cinco da tarde, nas outras vezes o carro não capotou ribanceira abaixo....
Acordei três dias depois, em uma cama de hospital, e lá mesmo fiquei sabendo que o enterro da minha mulher e dos meus dois filhos tinha acontecido no dia anterior, que todas as pessoas com quem eu me importava no mundo tinham morrido e nem o direito de me despedir foi me dado. Depois de algum tempo pude enfim voltar para casa, um lugar frio e vazio, nada muito diferente do que eu estava sentindo.
As vozes foram aos poucos voltando, acho que de alguma forma para me reconfortar, mas estavam diferentes, eram presenças mais perceptíveis, e no meio dos cochichos eu reconheci duas presenças, elas nunca tinham falado ao meu ouvido, mas de alguma forma eu sabia que elas sempre estiveram ali, participando de cada momento da minha vida até então, mesmo que sempre caladas, quietas.
A essas dei o nome de Éter e Érebo, a primeira emanava luz, e me transmitia calma e felicidade, a segunda por sua vez era sombra, e por mais que sua energia me fizesse mal era algo que eu gostava, que me conquistava de uma forma que eu não conseguia explicar. Apostos em meu ombro eles passaram a regular o meu ser e habitar minha alma.
Depois de alguns meses voltei para minha cidade no interior, morar lá parecia ser a melhor solução para fugir das lembranças e pesadelos que minha antiga casa trazia. Por mais que achasse que teria sido uma decisão só minha, descobriria depois que eles me queriam lá, era chegada a hora de cumprir minha missão.
Desde que cheguei à cidade tenho percebido algo estranho, não se via ninguém nas ruas, e as poucas pessoas com quem cruzava pareciam vazias, como se fossem apenas manequins. Nunca fui de muitos amigos, então passei a maior parte dos meus dias em casa, lendo e conversando com os seres que ali habitavam, os mesmos que me contavam histórias quando criança, e agora me falavam sobre cada pessoa daquela pequena cidade, eu nunca fui de me surpreender com o que diziam, muito menos de levar a sério, mas tudo aquilo começava a me assustar, se fosse verdade ali não habitavam mais humanos, apenas seres sem alma a espera Dele. Dele quem? Não obtive respostas, deveria ir embora dali na mesma hora, seria o que qualquer um faria, mas me disseram que eu teria que ficar.
Dia após dia eu ficava mais paranoico, não saía de casa nem para abastecer a geladeira, não iria correr o risco de ser pego ou algo do tipo, eu precisava descobrir o que estava acontecendo. No meu antigo quarto fui atrás de algo que pudesse me guiar, então encontrei desenhos que eu não lembrava de ter feito, cartas que eu não lembrava de ter escrito, e todas diziam a mesma coisa “Ele está chegando” e que a minha vida toda as vozes na verdade estariam me treinando para esse momento. Ouço um ruído no canto do quarto e me viro, aos olhos não há nada, mas eu sei que ele está ali. Érebo, um calafrio, apenas uma presença, apenas escuridão. E pela primeira vez pude conversar com uma de minhas vozes, não na minha cabeça, mas frente a frente.
– Quem é Ele? – perguntei, mesmo temendo a resposta.

– Se eu sei quem ele é, você sabe quem ele é, afinal eu sou parte da sua existência. – respondeu, com uma voz gélida que parecia me atravessar como um punhal.

E eu realmente sabia, mas preferia não acreditar, era mais fácil negar e tentar usar a razão, mas torna-se meio difícil se apoiar na razão quando se tem vozes morando em sua cabeça.

– Bom, vou considerar que você realmente não saiba. – continuou, agora se aproximando e me fazendo prender a respiração – Todas as pessoas vem a esse mundo com um propósito, algumas apenas de conseguirem ser felizes, outras, um pouco mais nobres, de fazer os outros felizes, ainda há aqueles que estão aqui apenas para destruir suas vidas e a de todos que o cercam. Já você, digamos que tem algo mais específico, uma missão...

– E qual seria essa missão?

Então ele com uma risada espetacularmente macabra respondeu. – Matar o anticristo, o que mais seria?

Dizendo isso ele foi caminhando lentamente em minha direção, e novamente ele fazia parte de mim, então eu sabia o que fazer.
Saindo da casa pude ouvir Éter chamando por meu nome, implorando que eu ficasse, mas eu já havia sido arrebatado, não havia mais volta. Nas colinas que contornavam a cidade eu pude o ver caindo, um lindo anjo coberto por sangue. E a minha volta uma procissão se formava, enquanto a besta agonizava, seu nome era entoado a uma só voz.
E então uma marcha se formou, todos os corpos sem alma caminhando para se oferecer ao falso Deus, a ruína do mundo. Sob meus pés posso ouvir as chamas gritando por seus nomes. Não há mais volta, todos estão condenados e então eu sei o que deve ser feito, em meu ouvido todos sussurram.

Quando amanhece tudo está bem, eu caminho por entre os corpos iluminados pela aurora, com a faca empunhada em uma das mãos e o terço na outra vou em direção a Ele. Chegam às viaturas, os jornais noticiando a chacina, e no final da rua esperando minha sentença, seguro em meus braços coberta de sangue, a criança estripada, o anticristo morto e mandado de volta ao inferno por minhas mãos.

Sou levado algemado, aos gritos de “assassino” e “monstro”, não entendem o que aconteceu ali e acham que eu sou louco, eu tentei alertar a todos, mas foi em vão. Hoje caminhando pelo corredor da morte eu chego ao fim da minha vida, mas cumpri minha missão, o fim está chegando, não digam que eu não avisei!”

Esta foi a carta escrita, antes de sua morte na cadeira elétrica, pelo assassino em série que esfaqueou e matou mais de 20 pessoas em um evento que ficou conhecido como A Procissão Vermelha. Gravado em sua lápide, ecoando por toda eternidade, podemos entender as vozes que o perturbavam “Tem um maníaco lá fora, e ele mora na minha mente”.

domingo, 5 de julho de 2015

The Babadook

A obra expressionista disfarçada de terror cult


    A muito tempo fiquei de ver esse filme mas sempre adiava, principalmente pela opinião da maioria que viu, que se mostrava avessa, e quando finalmente decidi ver (hoje) comecei o fazendo com olhos desconfiados e uma pré-ideia ruim do filme, abordando como apenas "mais um filme de terror", isso mudou antes da metade do filme quando fui bombardeado por referências, o uso dos ângulos da câmera, a fotografia, o tom surreal, aquilo era familiar demais pra ser só coincidência, e então me toquei que estava no meio de uma obra expressionista. Eu estudei o tema no ensino médio pra um trabalho e acabei ficando fascinado, vi alguns filmes e curtas, além de fotografias e pinturas. E alguns/muitos anos depois estava ali frente a essa corrente modernista outra vez, de forma sutil, mas estava.
    Bom pra explicar o porque o filme pode se enquadrar dentro dessa escola preciso explicar primeiro do que ela se trata. Do site A Janela Encantada: 
"Soluções estéticas tão radicais podem ser tão eficazes numa narrativa, no expressar de sentimentos e na criação de ambientes. O expressionismo era uma corrente que procurava criar efeito emocional a partir da distorção da realidade, centrando-se mais na expressão de sentimentos que no detalhe e realismo físico, o cinema expressionista alemão veio a caracterizar-se por essa distorção visual, patente em cenários estilizados com perspectivas irreais, um uso exagerado da luz e sombra de modo a definir os ambientes sem recorrer a cenários elaborados, e personagens estereotipados, apresentando uma interpretação exagerada. As histórias são geralmente fantasiosas (desde lendas, alegorias mágico-religiosas, até à ficção científica), plenas de um romantismo trágico tipicamente alemão, dando-nos heróis muitas das vezes a braços com paixões e vontades difíceis de nomear, atormentados por estranhos fantasmas e medos. A atmosfera torna-se por isso irreal, mesmo onírica em muitos casos, o que tanto nos é sugerido tanto pelo tema como pela própria cenografia."
    [SPOILER] Pra quem viu o filme já viu aqui muitas semelhanças, e é possível exemplificar isso em algumas cenas:
-A mãe levitando sobre a cama;
-Todos de preto em um festa infantil, passando aqui sentimentos através de imagens e não diálogos;
-O mesmo acontece na própria cena do aniversário em que Amélia é a única sentada, sendo filmada de cima pra baixo, passando ao público seu cansaço e desolação;
-Uma das referências mais explícitas é a própria Amélia vendo TV, em que todos os programas vistos por ela, em preto e branco, são da vanguarda expressionista;
-Além disso, os mesmo apresentam em geral a personificação da angustia e medo dela como monstros e personagens caricatos como o lobo em pele de cordeiro;
-O babadook sendo representado como uma sombra, sendo que uma das características mais marcantes do expressionismo alemão, como dito no texto, é o jogo de luz e sombra;
Entre muitos outros exemplos (praticamente o filme todo)

  Mas além disso é importante entender a obra enquanto enredo, mesmo eu não considerando o filme como terror, os roteiristas usaram do tema pra desenvolver a história, de forma muito eficaz inclusive já que o filme deixa um ar de tensão e mistério contínuos.
O que acontece é a metaforização da depressão da mãe, ela é personificada através do vilão. Amélia diz ser escritora infantil, um livro como aquele na estante não seria algo a se surpreender não é? A própria descarregou suas angústias no personagem, trancafiando sua condição naquele livro até que Samuel o acha..... Amélia matando o filho seria uma clara alusão a uma depressão pós parto surgida graças ao acidente que matou seu marido, todo o seu discurso "quantas vezes eu pensei como preferia que você (Samuel) tivesse morrido no lugar dele" é na verdade esse lado reprimido e escondido por ela enquanto fingia estar bem, e que aflorou quando o Babadook (depressão) tomou conta da própria, frase que demonstra isso “Quanto mais negar, mais forte eu fico. Você começa a mudar quando eu entro. O Babadook cresce sobre sua pele.” . O garoto vê e acredita no monstro pois ele também vive a condição da mãe, ele é atingido por suas crises, frases como "eu vou te proteger", "eu não deixarei ele entrar" exemplificam como o garoto luta pra tirar a mãe daquele situação. Tudo é centrado em como o transtorno evolui, sendo retratado no filme por imagens, as baratas, coisas apodrecendo, a própria imagem, a cada cena, mais debilitada de Amélia, a casa que parece sempre mais escura enquanto as cenas a luz do dia vão diminuindo, os sentimentos assim também são retratados, principalmente pela trilha sonora sutil mas eficaz, capaz de envolver o pública na atmosfera mais sombria, além dos gritos que são cada vez mais frequentes, tudo indicando o desespero de uma crise da qual Amélia afundou e não consegue mais atingir a superfície, o livro trouxe tudo a tona. Aliás, outro ponto interessante do filme, quando ela vai a delegacia, porque as mãos dela estão sujas? Ela queimou o livro com gasolina e na churrasqueira não é mesmo? E porque ela tenta escondê-las do policial?
No final o Babadook aparece como o seu falecido marido, mostrando que este é um dos demônios que ela precisa exorcizar para conseguir seguir em frente. Ela enfrenta o monstro por seu filho, mostrando que quer ficar, que forte o suficiente para não ter medo de seus próprios fantasmas. Nesse ponto o problema é "resolvido", agora Amélia e Samuel parecem felizes, mas ela continua a alimentar seus monstros mostrando que não está completamente curada, mas que foi um passo nessa direção. E de novo tendo uma citação muito clara de que o Babadook era a depressão, o medo, e tudo que ela alimentava desde a morte do marido, ele volta e fica trancafiado no porão, que é exatamente onde as coisas do Oskar estão guardadas....
Sem sombra de dúvidas, The Babadook é uma pequena obra do cinema mas que precisa ser vista com os olhos certos para ser completamente apreciada. Por fim fiquem com essa imagem que poderia muito bem ser um quadro exposto na semana de arte moderna de 1922.


Olha que coisa linda gente <3

domingo, 7 de junho de 2015

Saudade



"Saudade: s.f.  Recordação suave e melancólica de pessoa ausente, local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir."

Azul

Estou aqui mergulhado no azul. De todas as cores do espectro sem sombra de dúvidas a mais profunda, como um oceano que te engole ao mesmo tempo que te conforta, que te destroça ao mesmo tempo que te alimenta, frio, inóspito mas que seduz como uma maçã envenenada. Dizem ser a cor preferida dos loucos, o que não me surpreende, instigante, indecifrável, quem poderia resistir? Acho que todos alimentam um louco em sua cabeça, e o embebedam de doses de azul. O mesmo que me acalma me atormenta, quando chego ao seu fundo é como se pudesse respirar e viver ali pelo resto da vida, embriagado e condenado, sob a imensidão azul do seu olhar. 


sábado, 2 de maio de 2015

Há algumas coisas que eu lamento
Alguns começos,
que tiveram alguns finais amargos.
Algumas estradas,
que levaram a alguns caminhos sem volta.
Algumas palavras,
que trouxeram alguns antigos demônios.

Mas não há mais espaço para lamentações
E seguir em frente torna-se necessário
Todos os finais esquecidos
Todos os caminhos contornados
E todos os demônios exorcizados

Com o novo caminho traçado
Olhar para trás é nadar em nostalgias,
se afogar em lembranças e morrer no passado.